Os EUA Pode Ignorar Ordem de Prisão contra Netanyahu? ENTENDA.

Em um mundo onde as linhas entre jurisdição nacional e obrigações internacionais se tornam cada vez mais tênues, a recusa dos EUA em cumprir um mandado de prisão internacional contra o líder israelense Netanyahu desafia diretamente as normas estabelecidas de conduta internacional. Este artigo explora as dinâmicas das relações internacionais analisando a ONU, UE, OMC e TPI. Discutimos a soberania estatal, Transnacionalização e a Supranacionalização e o delicado equilíbrio entre política interna e obrigações globais.

Leonardo Vicelli - Economista - Cientista Político

5/8/20248 min read

  • 1. Natureza da Soberania Estatal

A essência da soberania estatal reside em sua capacidade exclusiva de exercer a coerção sobre os indivíduos dentro de seu território. Este monopólio da coerção não é apenas um meio de controle ou de exercício de poder; ele é fundamental para a existência e o funcionamento eficaz do Estado. Sem a capacidade de regular e limitar o uso da força, o Estado não poderia efetivamente administrar a lei, manter a ordem interna, ou proteger seus cidadãos de ameaças externas e internas.

O conceito de monopólio estatal sobre a coerção é amplamente reconhecido como um pilar central da governança soberana. Esta prerrogativa implica que apenas o Estado tem a autoridade para empregar a força física, se necessário, para impor suas leis e manter a ordem social. Dessa forma, o Estado distingue-se de outras entidades dentro do território que possam aspirar ao exercício de tal poder.

A legitimidade do Estado é um importante aspecto para a sua sustentabilidade e eficácia, tanto no âmbito interno quanto no internacional. Essencialmente, um Estado se legitima por meio da capacidade de garantir a segurança e a ordem interna, protegendo seus cidadãos contra ameaças externas e internas. Este papel de protetor é crucial para a manutenção da soberania e para o reconhecimento de sua autoridade pela população.

Portanto, o Estado, ao se engajar efetivamente em ações de defesa e segurança nacional, não apenas reforça sua soberania, mas também solidifica sua legitimidade perante sua população e outras nações. Essa dualidade de legitimidade, interna e externa, é fundamental para a estabilidade e o respeito internacional do Estado, permitindo-lhe agir de maneira decisiva tanto em níveis domésticos quanto internacionais.

O Estado moderno fundamenta sua existência no monopólio da violência legítima, sendo essa capacidade essencial para sua estabilidade e legitimidade. Quando um Estado perde essa capacidade de coerção, enfrenta sérias ameaças à sua soberania, podendo resultar em conflitos graves como guerras com Estados agressores ou guerras civis. Exemplos claros dessa dinâmica incluem a situação da Ucrânia, que enfrenta uma invasão por parte da Rússia, e os eventos da Primavera Árabe, onde a perda de controle estatal levou a conflitos internos devastadores. Em ambos os casos, a incapacidade de manter o monopólio da força dentro de seus territórios demonstra como a erosão da autoridade estatal pode levar a desordens e violência generalizada. Este entendimento destaca a complexidade da soberania no mundo moderno.

  • 2. Soberania e transnacionalização

As entidades transnacionais, que incluem desde corporações multinacionais a organizações governamentais e não governamentais e instituições financeiras internacionais, têm capacidade de moldar políticas e normas. Esta influência não é apenas econômica, mas também política e cultural, reconfigurando a maneira como os Estados definem suas prioridades e exercem seu poder.

O fenômeno da globalização permite que essas entidades transnacionais se alojem dentro do Estado, influenciando-o tanto interna quanto externamente. Assim, o Estado moderno torna-se um instrumento dentro de uma ordem global da qual não pode facilmente se distanciar ou renunciar.

Em uma análise macroglobal, percebe-se uma disparidade significativa entre os países em termos dos benefícios e malefícios derivados da globalização. Enquanto os Estados Unidos e China, por exemplo, podem se beneficiar, outras nações enfrentam consequências menos favoráveis em alguns aspectos, por exemplo os países Europeus.

A China e os Estados Unidos ilustram claramente como as nações podem projetar sua influência através de corporações estatais ou fortemente ligadas ao estado que operam além de suas fronteiras. Essa expansão não é meramente econômica, mas também um meio de ampliar a influência geopolítica de um país.

Por exemplo, a presença de empresas chinesas e americanas em mercados estrangeiros serve como um instrumento para esses governos estenderem seu alcance, influenciando políticas e economias locais. Da mesma forma, a Rússia, através de sua exportação de gás para a Europa, exerce influência significativa, afetando a política interna dos países europeus. Essas práticas destacam como as nações utilizam corporações como ferramentas de poder, reconfigurando a organização e política dos Estados.

Além disso, as redes sociais e as empresas transnacionais digitais têm um impacto profundo na cultura e política globais. A cultura política brasileira, influenciada pela “militância”, principal movimento político cultural de esquerda, reflete tendências similares observadas na cultura "Woke" dos Estados Unidos. Isso indica que os movimentos culturais e políticos muitas vezes seguem padrões transnacionais, alterando as dinâmicas sociopolíticas internas em diversos países.

A imigração, particularmente na Europa, ilustra um enorme desafio. O aumento da imigração tem levado a tensões culturais significativas, às vezes escalando para conflitos diretos, como atentados. Este fenômeno sublinha como os desafios transnacionais como a imigração podem impactar profundamente a coesão social e a segurança dentro das fronteiras nacionais. Influencia diretamente a política dos países europeus, que precisam ponderar ambos os lados para não se tornarem impopulares.

A pluralidade e a interdependência tornam-se, assim, características centrais da nova dinâmica mundial, onde a política é compartilhada e negociada constantemente entre vários atores transnacionais e estatais. Contudo tal dinâmica se restringe apenas a zona de influência, alterando a forma que o estado governa perante a novos grupos de pressão e interesses, não sendo nenhuma ameaça a soberania estatal.

  • 3. Soberania e Supranacionalização

A Organização das Nações Unidas (ONU), União Europeia (UE), Organização Mundial do Comércio (OMC) e o Tribunal Penal Internacional (TPI) são frequentemente citadas como exemplos de instituições supranacionais que poderiam potencialmente ameaçar a soberania dos Estados. No entanto, a realidade de suas operações e a natureza de suas relações com os Estados membros revelam uma complexidade que desafia essa visão simplificada.

  • 3.1. ONU

A Organização das Nações Unidas (ONU), com seus 193 Estados membros, representa uma das mais importantes plataformas intergovernamentais do mundo. Contrariamente à percepção de que possa ser uma entidade supranacional que ameaça a soberania nacional, a ONU é, de fato, a própria manifestação desses países. Cada um dos 193 países que compõem a ONU traz sua própria soberania para a mesa, formando a estrutura e o funcionamento da organização.


A ONU não funciona como um governo global, mas sim como um fórum onde as nações podem negociar e cooperar. Ela oferece uma bancada para discussões e acordos, facilitando o diálogo e a cooperação internacional sem impor sua vontade sobre os Estados soberanos. Assim, a existência da ONU reforça o conceito de soberania ao proporcionar um espaço onde a negociação é possível e valorizada. A organização é um produto da vontade coletiva de seus Estados membros, e não uma autoridade superior que os governa.

A dinâmica da geopolítica internacional dentro da ONU é caracterizada por uma série de negociações bilaterais e multilaterais, onde os interesses nacionais são expressos e defendidos. No entanto, a realidade dessas negociações muitas vezes reflete o poder desigual entre nações, com as maiores potências exercendo uma influência mais significativa. Este fato, embora represente uma dinâmica de poder desigual, não compromete a soberania dos Estados menos poderosos, pois qualquer compromisso ou concessão é feito voluntariamente.

Assim, mesmo quando organizações internacionais como a ONU parecem influenciar a política interna de um país, isso acontece porque o país permitiu ou cedeu certos direitos através de acordos ou tratados. Essa permissão é um ato de soberania, não uma subjugação dela. Portanto, a soberania permanece intacta, uma vez que qualquer interferência direta por parte da ONU ou de suas agências requer consentimento explícito do Estado envolvido.

  • 3.2. União Europeia

Na União Europeia, as instituições executivas, legislativas e judiciais operam com um foco específico nas questões que afetam o bloco como um todo, sem interferir diretamente nos assuntos internos dos Estados membros.

A União Europeia, por exemplo, é uma entidade única onde a adesão dos Estados é completamente voluntária, evidenciada pela existência do Artigo 50 do Tratado da União Europeia, que permite que qualquer membro decida se retirar da União. O exemplo mais notável dessa disposição é o "Brexit", onde o Reino Unido optou por sair da UE, essa capacidade de saída ilustra que, apesar de seu forte arcabouço regulatório e político, a UE não exerce poder coercitivo sobre seus membros no sentido de comprometer sua soberania. A adesão e a permanência são baseadas na vontade dos Estados, reforçando que a UE funciona mais como uma cooperação entre soberanias do que como uma autoridade suprema.

  • 3.3. OMC

Similarmente, a Organização Mundial do Comércio, que visa facilitar e regular o comércio internacional mantendo e aplicando normas de acordos comerciais, também não possui autoridade soberana sobre seus membros. Um caso emblemático é a disputa comercial entre Brasil e Estados Unidos. Apesar da OMC ter decidido a favor do Brasil em uma queixa sobre práticas protecionistas americanas, os Estados Unidos optaram por não cumprir a decisão da OMC. Esta situação destaca a limitação da OMC em impor sanções ou garantir a execução de suas decisões sem a cooperação dos Estados envolvidos.

Diante deste cenário, surge a questão crítica: como o Brasil deve reagir? A opção de impor sanções aos Estados Unidos apresenta um dilema para o Brasil. Sanções podem ser contraproducentes, prejudicando mais a economia brasileira do que a americana, devido à disparidade de poder econômico entre os dois países. O Brasil depende substancialmente do mercado americano para exportações, importação e investimentos, e medidas punitivas poderiam ser mais prejudiciais aos interesses brasileiros em relação aos americanos.

Esta dinâmica ilustra não apenas a assimetria que pode prevalecer nas negociações internacionais, mesmo quando formalmente se apresentam como simétricas, mas também a dificuldade para países de menor poder econômico em fazer valer suas reivindicações através de organizações internacionais. Assim, a realidade das relações internacionais muitas vezes revela uma dinâmica onde o poder econômico e militar sobrepõe-se a acordos formalmente estabelecidos.

  • 3.4 TPI

O Tribunal Penal Internacional (TPI), estabelecido pelo Estatuto de Roma e composto por 123 Estados-membros, foi criado para julgar crimes graves, como genocídio e crimes de guerra, complementando os sistemas judiciais nacionais. No entanto, sua eficácia é frequentemente limitada pela vontade política dos Estados. Um exemplo notável dessa limitação foi a resposta ao mandado de prisão emitido contra o então presidente do Sudão, Omar al-Bashir, acusado de crimes em Darfur. Apesar da gravidade das acusações, diversos países hesitaram em cumprir o mandado, priorizando interesses diplomáticos e estratégicos sobre as obrigações estipuladas pelo Estatuto de Roma.

Essa relutância em cooperar com o TPI evidencia uma das principais críticas à instituição: sua vulnerabilidade ao jogo de poder global. Assim como ocorre na OMC, ONU e UE, as decisões do TPI muitas vezes esbarram na soberania dos Estados e em suas avaliações de interesse nacional ou regional. A dificuldade em implementar a justiça internacional reflete não apenas os desafios jurídicos, mas também a preponderância das relações de poder e alianças políticas.

  • 4. Conclusão

Em conclusão, a ONU, OMC, UE e TPI são exemplos claros de como a cooperação internacional pode coexistir com a soberania nacional. Longe de sobrepor a autoridade dos Estados, ela valida e reforça a soberania ao requerer que qualquer ação ou decisão tomada dentro de seus conselhos seja fundamentada no consentimento e na cooperação voluntária dos seus membros. Essas organizações são uma entidade intergovernamental que reflete os interesses e a vontade de seus Estados membros, funcionando mais como mediadoras do que como um governante. Sendo assim, não existe atualmente nenhuma entidade supranacional de fato, sendo mais adequado o termo transnacional, onde o seu escopo de atuação se limita apenas a influência e pressão, mantendo a soberania do Estado.